terça-feira, 30 de agosto de 2016

Megacidades...

Professor de Harvard Edward Glaeser lança no Brasil a segunda edição do best seller O Triunfo da Cidade e fala sobre o momento atual das cidades brasileiras e do mundo
POR: MARIANA BARROS FOTOS: CRISTINA ALMEIDA/ARQ.FUTURO
Edição 269 - Agosto/2016











Em 2011, quando o professor da Universidade Harvard Edward Glaeser lançou nos Estados Unidos seu livro O triunfo da cidade, o cenário mundial era outro. A recessão enfrentada nos anos seguintes por diversos países não passava de um medo distante, e o termo triunfo parecia mais condizente com a realidade das cidades do que a palavra resiliência, que tem dado o tom dos debates sobre o assunto. Passados cinco anos, o livro ganhou sua segunda edição brasileira, lançada em junho pela BEĨ Editora e acrescida de um balanço sobre como o panorama urbano mudou nesse período, especialmente no Brasil. Para Edward, se o livro estivesse sendo escrito hoje, teria como foco a América Latina, a Ásia e a África, onde se concentram os locais que se urbanizam mais rapidamente - e não as experiências dos Estados Unidos e da Europa. O desemprego e a estagnação dos salários mereceriam maior destaque, bem como a desigualdade no Brasil, Índia e África subsaariana.
Apesar das dificuldades, o autor argumenta que mesmo as crises são mais fáceis de serem atravessadas por quem habita áreas de grande densidade. E defende a construção de arranha-céus como alternativa para aumentar a oferta de moradia de maneira que cada um encontre a opção que funciona melhor para o seu estilo de vida.
Se o tempo fez com que Edward reavaliasse sua obra prima, também o consolidou como um dos maiores especialistas em cidades do mundo. Com uma visão lúcida e otimista sobre o papel das cidades, ele continua acreditando que a convivência urbana nos torna mais produtivos e criativos. Em visita ao Brasil para promover a nova edição em português de seu livro, ele conversou com a AU.
De 2011, quando o senhor lançou a primeira edição de seu livro O triunfo da cidade, até agora, quais foram as principais mudanças vividas pelas cidades?

Depende em que lugar do mundo você está pensando. No contexto americano, vemos que a tecnologia emergiu e fez com que as cidades se tornassem mais fortes. Houve o crescimento de várias plataformas, tais como o Uber, o Yelp e o próprio Twitter, que impactaram na dinâmica urbana e na mobilidade e tornaram as cidades mais interessantes. Agora, se estivermos pensando na China, a maior diferença entre 2011 e agora são os milhões de metros quadrados construídos. Eu continuo sendo otimista sobre a organização chinesa no longo prazo, mas a verdade é que, no médio prazo, o número de casas e edifícios produzidos nas cidades parece ter sido excessivo. No caso da Europa, a recessão se mostrou insistente e fez com que o crescimento urbano desacelerasse. Para os brasileiros, o desafio nem é tanto a situação das cidades em si, mas a crise econômica, a mais grave das últimas décadas. Temos de pensar positivamente, mas há muitos desafios a serem vencidos.
Em 1950, só havia duas cidades no mundo com mais de 10 milhões de habitantes, Nova York e Tóquio. No entanto, a previsão para 2030 é de 41 cidades com população acima dessa marca. Por que as megacidades estão se multiplicando tão depressa?

Principalmente porque estão sendo impulsionadas pela rápida urbanização dos países em desenvolvimento. Se voltarmos a 1960, não havia nenhum país com renda per capita média inferior a mil dólares que tivesse mais de um terço de sua população vivendo em cidades. Hoje, um quinto dos países pobres tem mais de um terço de seus habitantes ocupando áreas urbanas. Uma megacidade como Kinshasa, no Congo, era impensável até pouco tempo atrás pelo simples fato de que seria impossível alimentar tanta gente - são mais de 10 milhões de habitantes - com o que se produz na região. Mas a globalização passou a permitir que os alimentos venham de outros locais. Antes, para ter uma grande cidade, era preciso ter agricultura rica. Atualmente, mesmo nos países onde a produção agrícola já era baixa, os moradores optaram por parar de fazer agricultura e se mudar para as cidades em busca de outras atividades para sobreviver. A consequência é o surgimento de um número maior de megacidades e que justamente atraem essa população mais pobre. De um lado cria-se um problema, pela alta densidade combinada à pobreza e às dificuldades de governo. Por outro, esses locais são a melhor oportunidade que essas pessoas terão de crescer e encontrar a prosperidade.
Por que seres humanos preferem se reunir em megacidades, em vez de aglomerações médias? 

Repare que as megacidades estão presentes principalmente nos países em desenvolvimento e, muitas vezes, onde os governos não são democráticos. Áreas administradas por governos ditatoriais têm muito mais megacidades do que as democráticas. Isso acontece porque as pessoas tentam se estabelecer ao redor de quem está no poder, pois imaginam que assim conseguirão empregos e benefícios sociais. Também é verdade que existem megacidades que surgem não pela questão política, mas econômica - caso de São Paulo. São megacidades com perfil globalizado, capazes de fazer negócios com diversos países do mundo, o que impulsiona seu crescimento.


  
No alto, vista de Seattle, exemplo de cidade que, após amargar anos de decadência, conseguiu se reerguer e se tornar novamente atraente para as pessoas. Acima, Kinshasa, capital do Congo e megacidade com mais de 10 milhões de habitantes, que segue tendência mundial de formar grandes aglomerações urbanas.
Muitas cidades passaram por períodos de decadência e depois conseguiram renascer. Como Milão, na Itália, e Seattle, nos Estados Unidos, deram a volta por cima?

Nos dois casos são cidades que se desenvolveram a partir de um perfil industrial, repletas de fábricas que cada vez se tornaram menores e menos importantes. A manufatura não leva a um bom urbanismo, pois ele se beneficia de firmas menores, que não requerem muito espaço. Em Seattle, vimos o crescimento de empresas que não existiam há 40 anos, como Amazon e Microsoft. Essas companhias puderam aproveitar as habilidades locais, pois historicamente sempre houve muitos engenheiros vivendo lá, além da localização central que facilita os negócios globais. Em Milão a mesma coisa. A concentração de profissionais politécnicos no século 19 fez com que, historicamente, a cidade atraísse perfis ligados ao design, o que também tem a ver com o histórico industrial. Ambas se tornaram novamente atraentes para as pessoas.
Detroit terá a mesma sorte? 

Tantas coisas deram errado lá... Em primeiro lugar, a cidade se especializou em um único ramo da indústria. Para piorar, ficou com pouquíssimas empresas líderes dessa indústria. Terceiro, as qualidades específicas dos montadores de automóveis não contribuíram muito no desenvolvimento de outras atividades. Por fim, foi muito duro obter empréstimos no momento em que a cidade mais precisava. A situação financeira estrangulou suas chances de recuperação. Eventualmente Detroit pode renascer como fizeram Seattle e Milão, mas acredito que ainda leve bastante tempo.


No mundo todo, a proximidade entre prefeitos e a população faz com que eles se sintam mais pressionados a resolver problemas do que os governos federais. Por outro lado, seus cofres têm bem menos dinheiro do que os nacionais. Como resolver esse paradoxo?

O primeiro ponto é que as prefeituras saibam sobreviver com o orçamento de que dispõem. Também é importante o governo local ter objetivos claros e bem definidos. A beleza desses governos é que, quando agem bem, fazem exatamente o que deveria ser feito. Cuidam das calçadas, da segurança nas ruas, qualquer que seja a necessidade. Mas precisam ter as responsabilidades bem definidas para que não sintam que precisam lidar com todo tipo de problema social também. Quanto menos expectativa houver sobre repasses e investimentos federais, melhor as prefeituras estarão. Precisam criar maneiras de se financiar e, para isso, uma boa maneira são os impostos sobre o uso da terra e sobre as transações imobiliárias.

Quais os principais problemas das cidades brasileiras?

Desde os anos 1990, o Brasil é mais urbanizado do que os Estados Unidos. As grandes cidades brasileiras são centros da economia global e também locais de pobreza, criminalidade e congestionamentos, ou seja, reúnem tudo o que há de bom e ruim na vida urbana. Acredito haver quatro graves questões a serem combatidas nas cidades do País: doenças contagiosas, crime, congestionamentos e alta do preço de moradia. As cidades deveriam ser autorizadas a crescer sem a todo momento terem de enfrentar obstáculos impostos pelo poder público no esforço de restringi-las artificialmente. Muitos formuladores de políticas públicas tentam descobrir como parar a onda de crescimento populacional urbano, o que é tão impossível quanto insensato. Quando as populações urbanas dobram de tamanho, e isso ocorreu tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, os salários crescem 5%. Mas claro que os custos de moradia sobem também, 14% no caso brasileiro e 16% no americano. Ainda assim, é algo positivo. A densidade acelera a troca de conhecimento e a produtividade econômica.
Qual a principal atribuição de um prefeito?

Primeiramente, é garantir que todos os moradores da cidade tenham acesso a água limpa. As redes de abastecimento e de saneamento devem ser prioritárias, do contrário as pessoas serão infectadas por doenças e morrerão. O impacto da densidade urbana sobre o consumo de água é enorme. Não à toa, o saneamento é o principal desafio das megacidades em países em desenvolvimento. Em muitos locais os prefeitos não têm dinheiro para implantar os sistemas como devem ser. E, nos países em desenvolvimento, as instituições costumam ser fracas, o que torna a luta por água muito mais difícil.
Formuladores de políticas públicas tentam descobrir como parar a onda de crescimento populacional urbano, o que é tão impossível quanto insensato
Neste ano teremos eleições municipais no Brasil. Qual conselho o senhor daria aos prefeitos brasileiros?

A realidade do País é muito complexa, ainda mais agora. Economistas como eu partem do princípio de que, uma vez conhecidas, as políticas certas serão implantadas. Bom, não é o que acontece. Políticos são mais fortes do que as políticas e podem não conseguir cumprir seus objetivos mesmo quando desejam fazer o que é certo. Por isso, bons líderes urbanos se parecem mais com boxeadores do que com professores. Mas acho que todos os prefeitos deveriam se preocupar em tornar as cidades que administram mais poderosas e independentes. Isso faz bem a toda a comunidade. Os moradores devem sentir que tudo o que prefeito está fazendo é pensando neles e para o bem deles. Já do ponto de vista de estratégia de desenvolvimento, meu conselho seria atrair e treinar pessoas inteligentes e depois não atrapalhá-las quando estiverem fazendo o que precisa ser feito.

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