Plantio
tradicional de quilombolas recebe título de patrimônio do país
Decisão do Iphan sobre a roça de coivara foi
anunciada hoje
Publicado
em 20/09/2018 - 21:53
Por Camila
Boehm – Repórter da Agência Brasil São Paulo
O sistema agrícola tradicional
das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, no sudeste paulista, foi
reconhecido hoje (20) como Patrimônio Cultural do Brasil pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Os quilombolas desenvolveram
há mais de 300 anos um cultivo de alimentos na Mata Atlântica que não usa adubo
nem agrotóxico, chamada roça de coivara.
No entanto, o modo de vida das
comunidades quilombolas está ameaçado devido à demora no processo de
autorização, por parte do governo de São Paulo, para o plantio das roças
tradicionais, reclamam as representações dos quilombos e entidades que defendem
o direito de comunidades tradicionais. Eles precisam de autorização para o
corte de pequena área de vegetação nativa de Mata Atlântica para fazer a roça.
Quilombolas
do Vale do Ribeira, no sudeste paulista - Gilvani Scatolin/ISA/Direitos Reservados
“Esse reconhecimento [do Iphan]
também é um apoio político para [mostrar] a importância da roça. Não foi à toa
que o Iphan reconheceu isso, foi construído um dossiê, as comunidades fizeram
um inventário cultural. Além disso, tem os artigos científicos e tem subsídios
legais. Tudo isso mostra a importância ambiental, social e cultural que levou
ao reconhecimento do sistema agrícola como patrimônio”, disse Ivy Wies,
assessora técnica do Instituto Socioambiental (ISA), uma das entidades que
apoiam os quilombolas.
Dados do ISA mostram que o Vale
do Ribeira abriga, ao todo, 88 comunidades quilombolas em variados graus de
reconhecimento pelo estado. Dos 7% que restaram do bioma de Mata Atlântica em
território nacional, 21% estão localizados no Vale do Ribeira.
Prejuízos
Segundo o instituto, os
documentos apresentados ao Iphan servem de subsídios para dar segurança aos
órgãos governamentais em relação à autorização para o plantio da roça. Ivy
destacou que o atraso na emissão da licença pelo governo estadual tem
consequências graves às comunidades tradicionais.
“Dois pontos que estão ameaçados
pela falta de licença: a segurança alimentar e a manutenção das variedades
agrícolas, que são um patrimônio da humanidade - as variedades de milho,
batata, cará, arroz, feijão, mandioca. Hoje em dia, estamos nesse processo da
transgenia, dos organismos geneticamente modificados. Imagina você ter 15
variedades de milho diferentes [que não foram geneticamente modificados], isso
é uma riqueza para a humanidade”, disse.
A maior parte da produção serve
para a subsistência das comunidades, mas há também impacto na renda já que os
quilombolas vendem parte dos produtos da roça para custear suas necessidades
básicas. Ivy destaca que há comunidades esperando há dois anos por uma licença.
Atraso
As comunidades apresentam o
pedido de autorização de 12 a 15 meses antes do início do preparo da roça para
garantir que o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) faça os laudos
baseados em vistorias e que a Companhia Ambiental do Estado (Cetesb) possa
emitir a licença a tempo do plantio. Em 2013, foi o último ano em que as
licenças saíram a tempo do plantio, informou o ISA, afirmando que a estrutura
que o estado colocou para realizar o processo não dá conta da demanda.
“O estado alega falta de pessoal
para os trabalhos de campo. Mas a avaliação mais certeira é que há um excesso
de exigências para o processo e as várias etapas são morosas demais, o que gera
um volume de papel e burocracias desnecessárias”, segundo texto da Campanha “Tá
na Hora da Roça”, lançada no mês passado pelas comunidades quilombolas e
entidades parceiras, chamando a atenção do governo estadual para que autorize,
com a emissão de licenças no tempo adequado, a abertura das roças.
Das 19 comunidades localizadas em
cinco municípios do Vale do Ribeira que pediram autorização para início da
roça, apenas duas conseguiram: São Pedro e André Lopes. De acordo com
representantes das comunidades, o atraso na licença faz com que o agricultor
perca o ciclo do plantio.
Ciclo da roça
O ciclo quilombola começa a
partir dos meses de junho e julho, com o preparo da área e derrubada da
vegetação, que geralmente não passa de um hectare. Depois de 15 dias, é feita a
queima controlada da área e as cinzas fertilizam o solo. Depois disso, já feito
o plantio, que geralmente começa em agosto e setembro. Até o momento, no
entanto, o governo estadual não deu a autorização para o início da derrubada.
O manejo dessa área aberta na
floresta ocorre no período de dois a três anos, ou até que aquele solo não
esteja mais tão fértil. Depois disso, o produtor abandona esse trecho e a
floresta se regenera.
Outro lado
A Cetesb disse, em nota, que
“para atender às comunidades é feito todo um trabalho envolvendo o Itesp, a
Fundação Florestal e a Cetesb. E a produção dessa documentação pode tomar
bastante tempo. Assim, é fundamental o planejamento no pedido dessas
autorizações”. A companhia disse que está sendo feito um trabalho conjunto para
aprimorar os procedimentos.
Saiba mais
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Edição: Davi
Oliveira
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