Brasil encerra ano sem saber se o pior já passou
Desigualdade em ascensão, um governo sem um plano claro, uma economia debilitada, um país isolado: o Brasil de 2021 é uma verdadeira era das incertezas. O fundo do poço, dizem especialistas, pode ainda não ter chegado.
Com um cenário político turbulento como pano de fundo, um presidente em constante conflito com outros poderes e incertezas sobre a chegada de uma vacina para a covid-19, os brasileiros chegam ao fim de 2020 sem saber se o pior da pandemia - e da crise econômica associada à ela - já passou no país, cada vez mais isolado internacionalmente.
"O ano de 2020 é surpreendente", avalia o economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social. "O mercado de trabalho foi para o inferno, mas olhando para a renda de todas as fontes, a gente foi para o céu."
"Com isso, 15 milhões de pessoas saíram da pobreza, comparado com 2019. A pirâmide de distribuição de renda nunca foi tão boa quanto em setembro de 2020", afirma.
O governo, que se diz seguidor da Universidade de Chicago, foi mais para Cambridge e John Maynard Keynes, com sua política anticíclica. Só que o auxílio caiu pela metade, a partir de setembro, e com isso a pobreza aumentou 17% em um único mês. "Uma parte das pessoas que tinham saído da pobreza já voltaram", comenta o especialista.
Agora, frente à segunda onda da pandemia, os caixas do governo já estão vazios, deixando a situação fiscal do Brasil deteriorada, com uma dívida bruta de mais de 90%. E ainda não há nada anunciado para substituir o auxílio emergencial, que se encerra em dezembro.
"O Brasil de 2021 agora é uma verdadeira era das incertezas máximas", diz Neri. E o resumo de 2020? "Olhamos para 2020 como uma espécie de um realismo fantástico sul-americano, uma situação muito ruim no mercado de trabalho que deve ditar o que acontece em 2021."
A natureza do governo Bolsonaro
uma dívida bruta de mais de 90%. E ainda não há nada anunciado para substituir o auxílio emergencial, que se encerra em dezembro.
"O Brasil de 2021 agora é uma verdadeira era das incertezas máximas", diz Neri. E o resumo de 2020? "Olhamos para 2020 como uma espécie de um realismo fantástico sul-americano, uma situação muito ruim no mercado de trabalho que deve ditar o que acontece em 2021."
"O Brasil está longe do fundo do poço", avalia o cientista político Marco Aurélio Nogueira. Para ele, o cenário político turbulento deve contribuir para a continuação da crise. "As guerras contra o Congresso e a Suprema Corte prosseguirão. Porque compõem um programa de trabalho do presidente, assim como os ataques à imprensa. Essa é a natureza do governo e da persona do presidente."
Quanto mais as eleições de 2022 se aproximam, mais radical o presidente tende a ficar, acredita Nogueira. Para ele, o caso da vacina contra o coronavírus é emblemático. "Ele fala em união num dia, e grita contra a vacina no outro." Com isso, ele tenta dar sustento aos dois grupos que são importantes para seu plano de reeleição: a grande massa do povo, e os setores radicalizados do bolsonarismo.
E ainda haverá uma disputa dura sobre as duas presidências do Congresso, principalmente pela da Câmara, que definirá se o governo terá uma vida dura, se perder esta eleição, ou uma vida um pouco mais tranquila, caso consigo emplacar o próprio candidato.
Mas, mesmo assim, as tarefas para 2021 serão difíceis. "É um governo muito ruim, sem qualidade, sem capacidade de articulação, sem generosidade para com a sociedade", diz Nogueira. Isso, segundo ele, afeta todos os ministérios, mas, principalmente, os ministérios de Saúde e Educação e a área da cultura.
"Mas o desgoverno também é muito prejudicial para o Meio Ambiente e para o relacionamento externo do Brasil. Não por acaso, são dois dos ministérios mais frágeis e mais carregados de problemas, mais criadores de atritos do governo Bolsonaro", comenta.
Lembrando que, em 2021, Bolsonaro não terá mais Donald Trump como aliado ideológico na Casa Branca. Joe Biden, por sua vez, deve se juntar aos europeus para pressionar o Brasil a investir na preservação ambiental. O novo presidente estadunidense já deixou claro que até pode pensar em sanções contra quem não protege o meio ambiente.
O resumo que Nogueira faz de 2020 é duro: "O governo deixou de lado o governar, não governou e tentou compensar essa falta de governança com uma exacerbação do discurso ideológico. Não poderia dar certo isso, sobretudo num país com tantos problemas como o Brasil".
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