Plataforma de empregabilidade para refugiados completa um ano
Apesar de bom grau de instrução, é grande a dificuldade de trabalho |
O
paquistanês Ahmed Malik Ejaz partiu de seu país natal em 1996, para dar
continuidade aos estudos. Cerca de duas décadas depois, conhecia os mauritanos
Lassana Bakhayokho, Soumare Bouna e Camara Fily, que também atravessaram mares,
deixando para trás um continente. Da nova relação, teve início a formação de
vínculos profissionais e de afeto.
Os
caminhos de Ejaz e dos três refugiados mauritanos se cruzaram na Associação
Religiosa Beneficente Islâmica do Brasil, mais conhecida como Mesquita do Brás,
na capital São Paulo. Na época, o empresário buscava profissionais para
trabalhar na construção de outro templo islâmico, a Associação Beneficente
Islâmica Tabiun, na zona sudoeste da capital. Bastou uma tarefa para que o trio
demonstrasse competência e responsabilidade, o que fez com que Ejaz decidisse
incorporá-los ao quadro de sua fábrica de câmaras frias, painéis térmicos e
contêineres, a Cashier Cold, localizada em Embu das Artes, região metropolitana
de São Paulo.
Como a
Cashier Cold, outras 23 companhias aderiram à plataforma Empresas com
Refugiados, que tem como finalidade difundir práticas que favoreçam a inserção
de refugiados pelo Brasil no mercado de trabalho e completa um ano de
existência nesta semana. A iniciativa foi desenvolvida pela Agência da
Organização das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) e pela Rede Brasil do
Pacto Global, com o apoio da ONU Mulheres.
No
total, as políticas divulgadas pela Acnur beneficiaram 5.500 refugiados, que
conseguiram uma colocação profissional ou que participaram de cursos de
capacitação. As empresas também podem ganhar destaque por promover atividades
de fomento e realizar campanhas sobre a condição de refúgio, como forma de
orientar empregados e parceiros comerciais sobre o tema.
"A
plataforma foi lançada para que a gente pudesse levar mais informação sobre a
população refugiada no Brasil, o perfil dessa população e sua capacidade de
trabalho e, com isso, possibilitar que mais empresas pudessem reconhecer as
qualificações dessa população e efetuar apoios, contratações", afirma o
oficial de Meios de Vida da Acnur, Paulo Sérgio Almeida. "Por isso,
relacionamos experiências bem-sucedidas e criamos esses cases de sucesso, que
formaram uma espécie de vitrine para que outras empresas conhecessem."
O
representante da Acnur destaca que é importante os empresários compreenderem
que os refugiados são pessoas que têm o desejo de colaborar para o país e que
têm, em sua maioria, alto grau de formação. Um estudo divulgado em 2019,
pela agência da ONU, mostrou que 34,4% dos refugiados são portadores de diploma
universitário ou mesmo já cursaram uma pós-graduação. Apesar disso, um dos
principais obstáculos enfrentados por eles, ainda hoje, é a demora na
revalidação dos diplomas, procedimento feito pelas universidades federais
públicas, aspecto também reforçado por Almeida à Agência Brasil.
Conforme
relata a diretora jurídica da Cashier Cold, Tatiane Renda, o comprometimento de
Bakhayokho, Bouna e Fily até hoje rende elogios por parte dos colegas de
trabalho. Ela considera que parte da população tem uma percepção preconceituosa
em relação a refugiados por não conhecer outras culturas e que a solução para
resolver o problema é ampliar o contato com realidades e pessoas de diferentes
origens.
Sentindo
que poderia ajudar os três novos colegas, Tatiane elaborou um plano de estudos
para que eles fossem alfabetizados e convidou sua irmã, Telmara Renda Hayata,
para dar a eles aulas de língua portuguesa. Dizendo-se
"transformada", a advogada comenta ainda, de forma despretensiosa,
quase sem querer, que acabou sensibilizando outro cliente seu para a causa. O
empresário da GCABE-Altwin, fabricante de produtos elétricos, contratou um
amigo dos colegas, que estava desempregado e que havia sido acolhido por eles
em casa. Atualmente, Seydi Tadre e Fily trabalham como operadores de produção
na GCABE, em São Bernardo do Campo, e Bakhayokho e Bouna, como auxiliares de
produção na Cashier Cold.
Outra
medida feita para acolher os mauritanos foi estruturar um local onde pudessem
se recolher nos momentos de oração. Eles também receberam autorização para
encerrar o expediente mais cedo às sextas-feiras, para poder frequentar a mesquita
e, portanto, manter suas tradições. "Eles não imaginavam que seriam tão
bem recepcionados", diz Tatiane.
Além de
expandir a rede de solidariedade entre adultos de seu convívio, Tatiane relata
que tem mobilizado crianças de sua família. "O ambiente da fábrica se
transforma. Sinto que todo mundo precisava passar por isso. É uma sintonia
muito agradável. Amadureci muito", conta.
Como participar
As
empresas que desejem aderir à plataforma devem preencher um formulário,
detalhando as ações que pratica e declarando que estão em consonância com o
propósito do programa. O cadastro é submetido a análise do Comitê Gestor da
Plataforma, composto pela Acnur e o Pacto Global da ONU. Exige-se que a prática
tenha sido desenvolvida nos 12 meses que antecederam a inscrição na plataforma
e que seja de uma empresa (privada, pública ou sociedade de economia mista), de
uma fundação/instituto empresarial ou de uma associação empresarial. As demais
informações podem ser consultadas no site
do projeto.
* Com
informações da Acnur.
Edição:
Aline Leal
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